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sábado, 18 de junho de 2016

Linguagem, corpo e mente do portador de PSP

"A linguagem me faz sentir-me parte do mundo". 


Essa frase foi usada por um professor em um curso de especialização em Neurociências aplicadas à Educação, do qual sou aluna. O mesmo professor usou em sua aula um artigo escrito por ele, onde, remetendo à fala de Freud sobre o ego ser uma entidade eminentemente corporal, a seguinte pergunta é provocada: temos um corpo ou somos um corpo? "Somos um corpo. Do qual não podemos nos desfazer." Essa é a resposta dada no mesmo artigo. 

Cheguei em casa e após ligar para minha mãe e conversar sobre o estado de saúde do meu pai, portador de PSP há cerca de 8 anos, fiquei a pensar nessas palavras lidas e ouvidas na aula mais cedo. Lembrei-me então da foto abaixo que foi publicada em um grupo estrangeiro de suporte à familiares, amigos, cuidadores e portadores de PSP, do qual participo. Na foto, uma portadora de PSP escreveu em um quadro branco as seguintes palavras: "cérebro ainda funciona" ('Brain still works'). Escrevo então, aqui, para aqueles que tem a coragem de refletir sobre essa doença. 

"Somos um corpo". 


Na paralisia supranuclear progressiva, os principais sintomas da doença se fazem visíveis no corpo: no olhar que já não é o mesmo, no caminhar que se torna cada vez mais difícil, nos movimentos que vão se limitando pouco a pouco. O corpo vai, lentamente, tornando-se imóvel. Então, essa pessoa que tem PSP - um pai, uma mãe, um cônjuge, um irmão ou amiga - torna-se imóvel também. É-lhe vedado o direito de ir e vir, e não há constituição no mundo que volte a garantir-lhe tal direito ou seja capaz de punir aquela que o violou. Somente os entes mais próximos, aqueles amigos que restaram, um cuidador ou alguém sensível o suficiente para entender e se importar, poderá compensar com algum tipo de mobilidade: levar para um banho de sol na varanda, para um passeio na praça mais próxima, ou para sentar-se à poltrona favorita, no cantinho onde antes tantos livros foram lidos ou conversas foram tecidas. As pernas e braços dessas pessoas passam a ser as pernas e braços daquele corpo que já não é mais móvel.

Mas não é "só" a mobilidade do corpo que é levada pela PSP. Ela também rouba as palavras. Ela tira a linguagem. E sem linguagem, como se expressar? Como dizer para onde quer ir, o que quer fazer, o que sente, o que teme, o que machuca? Se a linguagem faz com que eu me sinta parte do mundo, sem a linguagem, eu não mais faço parte do mundo. E é aqui que quero chegar. 

Percebo muitas pessoas - na verdade, as poucas pessoas que ainda vão visitar meu pai - ignorando-o completamente. Não falam com ele. Quase não olham para ele. Não esboçam a menor intenção de interagir com ele. Como podem então dizer que foram visitá-lo? O portador de PSP entende o que está acontecendo ao seu redor, reconhece pessoas, ouve o que elas dizem, sabe de sua condição. Artigos sobre a PSP mencionam alguns casos de demência, mas nem mesmo os médicos conseguem afirmar quando um portador de PSP está de fato demente, já que os pacientes não verbalizam e não se movimentam mais nos estágios mais avançados da doença. Dessa forma, acho que o mínimo de respeito que pode-se ter, então, é olhar para eles, pegar na mão, dizer "oi, como vai?", mesmo sabendo que nunca haverá uma resposta. 

Peço, aqui, que caso você, leitor, seja uma dessas pessoas que tende a ignorar o portador de PSP, repense a sua atitude. Sei que às vezes é difícil. Várias vezes fiquei sentada ao lado do meu pai por mais de uma hora, trabalhando em meu computador e sem dirigir uma palavra a ele, por ter me acostumado com seu silêncio e sua imobilidade. Mas meu pai não é uma cadeira, e nenhum outro portador de PSP é. Eles são um corpo, como nós, mas prisioneiros dentro de si mesmos, e merecem o mínimo de compaixão e respeito daqueles ao redor. Por isso, não os ignorem. O corpo deles pode não funcionar, a linguagem pode não estar lá, mas a mente está: o cérebro ainda funciona. Então, compartilho abaixo algumas sugestões de interações com portadores de PSP:

- conte sobre o seu dia;
- relembre histórias engraçadas que o portador de PSP gostava de ouvir ou contar;
- ouçam música juntos; 
- leia um livro em voz alta;
- faça uma oração em voz alta ou leia um trecho da bíblia (para os religiosos);

mas

- evite ficar fazendo perguntas: como o portador de PSP não tem condições de respondê-las, isso pode deixá-lo frustrado, nervoso e/ou depressivo.

Essas são atitudes simples, mas que podem fazer a diferença no dia de quem já não pode ir e vir, já não se sente parte do mundo, já é um corpo doente, mas que não deixou de "ser" e cujo cérebro ainda funciona. A PSP já tirou muito dessas pessoas. Não vamos tirar, também, o direito delas de "ser". 

E para aqueles que tem alguma dificuldade em entender como uma pessoa com PSP se sente, sugiro o filme "O escafandro e a borboleta". Não fala sobre PSP, mas fala sobre a síndrome do encarceramento, também sofrida por aqueles que tem a paralisia supranuclear progressiva. Recomendo também o livro


"O escafandro já não oprime tanto, e o espírito pode vaguear como borboleta."


Citações retiradas do artigo Psicomotricidade e o movimento dançado, de autoria do professor Amadeu Roselli-Cruz.
http://www.eba.ufmg.br/revistapos/index.php/pos/article/view/117






21 comentários:

  1. Corretissimo seu texto meu marido portador de psp a 4 anos em casa todos nos conversamos com ele comprimentamos dando beijo ele sorri das nossas conversas engraçadas levamos para tomar sol sentamos ele na sala ouvimos musicas juntos e canto para ele jogamos bolinhas fazemos tudo juntos .A medica dele diz sempre que ele é um doente feliz .OBRIGADA PELO TEXTO SÓ VEIO REFORÇAR QUE ESTAMOS NO CAMINHO CERTO

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    1. Eu que agradeço pelo comentário, Maria. Fico feliz em saber que vocês tem esse cuidado com seu marido.

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  3. Minha mãe tem PSP há quase quatro anos e uma das coisas mais desesperadoras pé não entender o que ela fala!

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    1. Olá, Ana. É realmente desesperador não entender o que eles dizem. Sinto a mesma angústia em relação ao meu pai...

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    2. Alguém já usou alguma tecnica que possa ajudar a entender o portador de PSP?
      Minha tia já não tem capacidade motora para escrever ou desenhar
      Se alguém puder iluminar essa busca , já vou agradecendo!!!

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  4. Muito esclarecedor. Com certeza é necessário tirar o foco da doença e enfatizar a pessoa, o respeito por uma pessoa que está lá, apesar de não poder expressar.

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  6. Foi descoberto que meu avô tem PSP, desde então vemos como ela é agressiva pois a cada dia notamos a dificuldade ao se locomover, os tombos, me dói ver ele com uma mente tão boa, mais o corpo ruim, espero muito poder ajudar ele, ou pelo menos lhe conceder alegrias! Obrigada pelo texto do Blog! BEIJOS

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    1. Laís, o primeiro passo para ajudar é entender a doença e as limitações que ela traz. Que bom que você está se informando. Cuide bem do seu avôzinho, diga muito o quanto o ama, e terá feito muito mais do que qualquer médico possa fazer.

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  7. Olá, minha mãe Fátima de 60anos, teve o diagnóstico de PSP há 4anos, tudo mudou em nossas vidas,onde ela era um mulher de vida ativa,e hoje ela é totalmente dependente de auxílio. Conviver com uma pessoa com PSP é muito difícil, pois exige muito do cuidador dá-lo uma qualidade de vida. Hoje tento fazer o impossível para que ela tenha melhoras a cada tratamento que ela faz, tanto na fisioterapia, fonologia, na terapia ocupacional, como na socialização com as pessoas.
    Esse texto é de grande importância para quemim convive com um portador como para quem não conhece sobre o PSP, pq eu além de ter uma mãe portadora da síndrome, tenho um irmão que não aceita a doença, pois pra ele é muito difícil vê nossa mãe nesse estado progressivo. Essas palavras acaba nos ensinando e esclarecendo dúvidas que a gente não sabe.
    Desde já agradeço!
    Pois quero ver minha mãe viva e feliz!

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    1. Oi, Rafaela. A psicologia explica isso do seu irmão não está aceitando a doença. Costuma ser uma fase apenas, mas se persistir, talvez seu irmão precise de ajuda... Não é fácil lidar com a PSP. Mas devemos nos lembrar de tentar fazer o melhor para cuidarmos de quem tem essa doença - e isso inclui cuidarmos de nós mesmos também. Força!

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  8. Como sugestão para dificuldade de comunicação, compramos um tablet, mas também pode ser um celular com tela grande. Nele foi instalado um software para que a pessoa possa escrever. Para nós tem funcionado bem. Além da comunicação local ela usa Facebook e whatsapp que ameniza um pouco a grande dificuldade que ela vem passando.

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    1. Oi, Antonio. Interessante! Meu pai não era uma pessoa tecnológica, então pra ele não funcionava. Mas para quem é, são ótimas estratégias mesmo!

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  9. Alguém sabe me dizer quanto tempo de vida tem uma pessoa com essa síndrome ppn ??

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    1. Oi, Elisabete! O nome da síndrome é PSP - paralisia supranuclear progressiva. O tempo médio de sobrevida é 5-7 anos, mas isso pode variar...

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  10. Você está preso proíbe banco e você não tem o benefício de bancos ou é melhor ter um projeto e precisam de financiamento, o crédito mau ou precisam de dinheiro para pagar as contas, dinheiro para investir no negócio.
    Então, se você precisar de crédito, não hesite em contactar-me para mais informações sobre os meus termos. Entre em contato comigo diretamente Esmalte:
    Email: microcredit90@gmail.com
    PS: as pessoas não graves abster-se

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  11. https://www.neurologylive.com/clinical-focus/rt001-gets-orphan-drug-designation-in-progressive-supranuclear-palsy-
    Boas notícias!!

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